Conhecida por alguns setores da imprensa e por alguns historiadores como o primeiro Mundial de Clubes da história, a Copa Rio, que começou em 1951, divide opiniões em questão de sua oficialidade. Inclusive, a segunda edição do torneio, que ocorreu em 1952, levanta ainda mais discussões em relação a esse tema. 

Na ocasião, a Copa Rio de 1952 foi vencida pelo Fluminense FC, clube que fez questão de organizar o evento junto com a CBD e convidar equipes participantes. Na grande decisão, os tricolores, que chegaram ao torneio por terem sido campeões cariocas, bateram o Corinthians, atual campeão paulista. 

Até os dias atuais, o Fluminense luta pelo reconhecimento da FIFA em relação ao seu título mundial de 1952. Quando perguntada sobre o assunto, a entidade máxima do futebol diz reconhecer as competições mundiais disputadas antes de 2000. Entretanto, a segunda edição da Copa Rio, vencida justamente pelos tricolores, não é tratada da mesma forma que a edição de 1951.

 

Como foi criada a Copa Rio?

Após a derrota na Copa do Mundo de 1950 na final, para o Uruguai, sob os prantos do Maracanaço, os brasileiros estavam descrentes com o futebol. Sendo assim, a fim de recuperar a moral brasileira no esporte, a CBD se reuniu com a UEFA e a FIFA para realizar um torneio mundial de clubes nos moldes de uma Copa do Mundo, com 16 equipes. Porém, por conta da dificuldade de trazer convidados, a competição ficou apenas com 8 times. 

A primeira edição do torneio, realizada em 1951, contou com a participação de equipes estrangeiras campeãs nacionais e os vencedores dos Campeonatos Paulista e Carioca. Sua nomenclatura oficial foi colocada como Copa Rio, por ter sido patrocinada pela prefeitura do Rio de Janeiro. O clube que ergueu a taça foi o Palmeiras, que venceu a Juventus de Turim atual campeã italiana, na grande decisão. 

Na época, a competição foi tratada como um verdadeiro mundial de clubes pelos grandes veículos de imprensa do Brasil e do Mundo, diferente do que aconteceria na Copa Rio 1952.

 

Como aconteceu a Copa Rio 1952?

Após o encerramento da Copa Rio de 1951, ficou decidido que a segunda edição da competição seria realizada em 1953, em um período bianual. Contudo, o Fluminense, que havia sido campeão carioca de 1951, e disputaria uma eventual edição do torneio de 1952, queria que tal disputa ocorresse ainda naquele ano, justamente quando completaria 50 anos de sua fundação. 

Sendo assim, o clube entrou em contato com a CBD e a Copa Rio foi autorizada para ser disputada em 1952. Contudo, o torneio não recebeu investimento da entidade brasileira de futebol, e nem mesmo da Prefeitura do Rio de Janeiro, que apenas patrocinou com a entrega da taça. O dinheiro investido para a realização do evento saiu do bolso do próprio Fluminense, que na época teve um prejuízo de 1, 5 milhão de cruzeiros, já que o clube não contou com nenhum aporte financeiro vindo do poder público. 

Além disso, a empolgação da CBD em relação a competição não foi a mesma, se comparada à edição realizada em 1951. Tanto que a Copa Rio de 1952 não era nomeada pela própria entidade como um Mundial de Clubes, como havia ocorrido na temporada passada. Até mesmo os convites feitos a clubes estrangeiros tiveram que ser feitos pelo próprio Fluminense, que chegou a cogitar o cancelamento da competição.

 

Copa Rio 1952: Times convidados e desistentes

Com a missão de convidar equipes para a Copa Rio 1952, o Fluminense pediu a  Ottorino Barassi, secretário da FIFA, e  Mozart Di Giorgio, tesoureiro da CBD, para fazerem as negociações com os times europeus. A primeira ideia do clube era convidar os campeões de Áustria, Itália, Uruguai, Argentina, Portugal, Espanha e Reino Unido, seja Inglaterra ou Escócia. 

Porém, as tratativas para trazer clubes estrangeiros não foi nada fácil. Até porque, os campeões de Espanha, que no caso seria o Barcelona, e Itália, que seria a Juventus, recusaram o convite, pois preferiram disputar a Copa Latina, percursora da Liga dos Campeões da Europa. Entre os principais campeões do continente europeu, apenas o Sporting de Portugal aceitou o convite.

 

Fluminense esbarra na Pequena Taça do Mundo e em sanções

Como alternativa ainda na Europa, o Fluminense foi atrás do Real Madrid, que já havia aceitado convite para disputar a Pequena Taça do Mundo na Venezuela, que seria realizada no mesmo período da Copa Rio. O Nice, campeão francês, também foi convidado, mas assim como Barcelona e Juventus, quis disputar apenas a Copa Latina. 

Na América do Sul, os tricolores também tiveram dificuldade nas tratativas com as equipes campeãs no continente. O Racing, campeão argentino, não foi autorizado pela AFA, que na época tinha forte rivalidade com a CBD. O Millionários, campeão colombiano, também foi convidado, mas optou por participar da Pequena Taça do Mundo, assim como o Real Madrid. Entre os sul-americanos convidados, apenas o Peñarol, atual campeão uruguaio, aceitou o convite.

 

O regulamento da Copa Rio 1952

A Copa Rio 1952 seria disputada no mesmo modelo da edição realizada na Copa Rio 1951. Ou seja, com 8 equipes divididas em dois grupos. Na ocasião, um grupo seria encabeçado pelo atual campeão paulista, o SC Corinthians, enquanto o outro grupo seria encabeçado pelo atual campeão carioca, o Fluminense. 

No grupo do Corinthians, estiveram presentes além do alvinegro, o Áustria Viena, atual campeão austríaco, Libertad, atual campeão paraguaio e o Saarbruken, vice-campeão alemão. Na ocasião, os alemães presentes no evento, só participaram pois o campeão alemão, que na época foi o Sttutgart, estava proibido pela federação alemã de participar de torneios do exterior. 

Já no grupo do Fluminense, participaram Peñarol do Uruguai, Sporting de Portugal, atuais campeões de seus países, além do Grasshopper, atual campeão suíço.

 

O Fluminense de 1952

Naquele ano da disputa da Copa Rio de 1952, o Fluminense contava com um verdadeiro timaço e despontava como um dos grandes favoritos ao torneio. Em seu elenco, o tricolor carioca tinha alguns jogadores que representaram e viriam a representar a seleção brasileira, inclusive em Copas do Mundo. 

No gol, o time carioca contava com o icônico goleiro Castilho, que defendeu as cores da seleção no bicampeonato mundial de 1958 e 1962, como reserva. Na lateral direita, quem dominava a posição era Pindaro, que só não jogou a Copa de 1950, pois pediu dispensa do escrete canarinho, sendo o primeiro na história a fazê-lo. E para completar a “Santíssima Trindade Tricolor”, trio popularmente nomeado pela torcida, o Fluminense também contou com o zagueiro Pinheiro, que disputou a Copa do Mundo de 1954. 

O comandante daquele time era Zezé Moreira, lendário treinador que também dirigiu a seleção brasileira e que ainda em 1952, conquistaria uma medalha de ouro panamericana pelo escrete canarinho.

 

Flu contava com Didi e Telê Santana

Ainda na defesa, os tricolores contavam com Jair, meio-campista de oficio, que vira e mexe atuava como defensor. E para fechar o sistema defensivo, o Fluzão também contou com Bigode, um dos maiores jogadores na posição, que também defendeu a seleção brasileiro. 

Do meio para frente, o Fluminense também contava com um verdadeiro esquadrão com Edson, Telê Santana e Didi “Folha Seca” no meio-campo, além de Marinho, Orlando Pingo de Ouro e Quincas no ataque.

 

Copa Rio 1952: Campanha Tricolor na fase de grupos

O Fluminense FC estreou na Copa Rio no dia 13 de julho de 1952, em empate contra o Sporting pelo placar de 0 a 0. Na sequência, o clube carioca entrou em campo novamente no dia 17 do mesmo mês contra o Grasshopper da Suíça. E com um certo drama na partida, o tricolor soou para vencer os suíços, anotando o único gol do certame aos 34 minutos da segunda etapa, através do atacante Marinho. 

Para a terceira partida, contra o Peñarol, uma certa pressão tomou conta da equipe tricolor. Até porque, o Fluminense precisava da vitória para se classificar e o adversário era nada menos do que o atual campeão uruguaio, uma das equipes mais fortes do planeta à época. 

 

Jogo decisivo contra o Peñarol

Jogadores do Fluminense comemorando a vitória contra o Peñarol, base da seleção uruguaia campeã em 1950. Flu 3×0 Peñarol pela Copa Rio 1952. pic.twitter.com/UfzoTJh3gB

— FLUMINENSE HISTÓRICO (@fluhistory) December 19, 2016

No dia 20 de julho de 1952, diante do Peñarol, o clima era de pressão e revanche. Até porque, os brasileiros ainda não haviam digerido a derrota para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950, no episódio do Maracanaço. Portanto receber uruguaios em pleno Maracanã, era a oportunidade perfeita para o Fluminense lavar a alma do futebol brasileiro. 

E foi com esse sentimento que atacante Marinho entrou implacável em campo, pois só ele antou dois gols na partida, em vitória por 3 a 0. Seu parceiro de ataque Orlando Pingo de Ouro marcou o outro gol que selou a vitória do clube carioca. Com esse resultado, o Flu se classificou em primeiro lugar do grupo com 5 pontos, um apenas a frente do Peñarol. 

Por conta de todas as circunstancias da época, esse jogo foi eleito por torcedores do Fluminense em pesquisa do Globoesporte.com, como o mais importante da história do tricolor carioca. Inclusive, chegou a superar a final do Campeonato Carioca 1995, em que teve o gol de barriga de Renato Gaúcho.

 

Na semifinal, Fluminense passeia sobre o Áustria Viena

Após passar por uma fase de grupos regada de emoção, o Fluminense não teve muito trabalho para eliminar o Áustria Viena na semifinal. Em duas partidas, os tricolores passearam diante dos austríacos. 

No dia 23 de julho, o Fluzão venceu a primeira partida pelo magro placar de 1 a 0, com gol de Didi, aos 36 minutos do segundo tempo. Mas, em 27 de julho, o tricolor carioca mostrou porque era um dos principais favoritos ao título da Copa Rio de 1952 e goleou os seus adversários pelo placar de 5 a 2. Apenas Orlando Pingo de Ouro marcou três gols na partida, enquanto Telê Santana e Quincas, marcaram os outros dois.

Vale a pena ressaltar que na outra semifinal do torneio, o Peñarol acabou desistindo antes da segunda partida contra o Corinthians. Na ocasião, os uruguaios abandonaram a competição por estarem descontentes com a arbitrgem do primeiro jogo, que foi marcado por violência dentro e fora de campo.

 

Copa Rio 1952: Fluminense x Corinthians fazem a final

Os Capitães Pinheiro (FFC) e Olavo (SCCP) no 1° jogo da final da Copa Rio Internacional de 1952 entre Fluminense vs Corinthians. pic.twitter.com/X6IzZGd42C

— FLUMINENSE HISTÓRICO (@fluhistory) January 16, 2017

No dia 30 de julho, com um Maracanã abarrotado com mais de 38 mil torcedores, o Fluminense teria pela frente o Corinthians, pela primeira partida na final da Copa Rio 1952. Aquele era considerado sem sombra de dúvidas, o jogo mais difícil para os tricolores na competição, até porque, os alvinegros contavam com um timaço. 

Os atuais campeões paulistas foram a campo para a decisão com Gilmar no gol; Homero, Olavo, Idário e Goiano na defesa; Julião, Cláudio e Luisinho no meio-campo; além de Carbone, Jackson e Colombo no ataque. Na época, o Timão era comandado pelo lendário técnico Rato. 

Do outro lado, o Fluminense de Zezé Moreira foi a campo com: Castilho, Pindaro, Pinheiro, Jair, Edson, Bigode, Telê Santana, Didi, Marinho, Orlando e Quincas. 

Inflados de confiança, os cariocas não demoraram para abrir o placar, com gol de Orlando Pingo de Ouro, aos 22 minutos da primeira etapa. Com o jogo em suas mãos, o Fluzão tratou de ampliar sua vantagem e anotou o 2 a 0 com gol de Marinho, o artilheiro implacável do tricolor carioca, aos 25 minutos do segundo tempo. Tal placar se manteve até o final e o Fluminense saiu na frente com boa vantagem na decisão.

 

Fluminense é campeão no Maracanã!

Com boa vantagem na decisão, a missão do Fluminense era simples: segurar o resultado para se sagrar campeão da Copa Rio 1952. Contudo, naquele dia 02 de agosto, o Corinthians tratou de não sucumbir tão facilmente. 

Em um dia de público recorde na competição, Didi abriu o placar do jogo para os mais de 65 mil torcedores presentes no Estádio do Maracanã, aos 10 minutos do primeiro tempo. Porém, na segunda etapa, o Corinthians chegou a assustar, e empatou o jogo aos 11 minutos, com gol de Jackson. 

Com isso, o Timão tinha boa parte do segundo tempo para marcar mais dois gols e igualar a decisão, mas a estrela do atacante Marinho, que se tornaria artilheiro do torneio com 5 gols ao lado de Orlando, brilharia mais uma vez. O atacante anotou o segundo gol do Fluminense que deu um balde de água fria na reação do Corinthians. No finalzinho da partida Souzinha empatou para os alvinegros, mas já era tarde, o Fluzão estava com a mão na taça.

 

O que disseram os jornais à época sobre a Copa Rio 1952?

Uma campanha invicta e um título enorme como o Fluzão: o Mundial de 1952 é nosso. Foi para os jornais. Entrou para a história. #Flu115Anos pic.twitter.com/9vTdbC39Rl

— Fluminense F.C. (@FluminenseFC) July 21, 2017

Assim como a CBD, a imprensa da época não tratou a Copa Rio de 1952 com a mesma importância da competição em sua edição anterior. Se em 1951, os veículos de notícias trataram a conquista do Palmeiras como de um mundial de clubes, no ano seguinte não foi bem assim. 

Apenas três jornais da época trataram o Fluminense como campeão do mundo, além do canal 100, importante cinejornal que preserva a história do futebol brasileiro. Na ocasião, as publicações que trataram o torneio como mundial foram o jornal Última Hora, Diário de Minas e Jornal dos Sports.

 

Por que não tivemos outras edições da Copa Rio depois de 1952?

Após a edição da Copa Rio de 1952, clubes de Rio de Janeiro e São Paulo queriam extinguir a competição e criar uma nova com mais um clube de cada estado. Porém, a CBD manteve o formato vigente, com uma nova edição programada apenas para o ano de 1956, já que ficou combinado que a partir dali, o torneio seria realizado de 4 em 4 anos. 

Na ocasião, a entidade que cuidava do futebol brasileiro junto com outras instituições como CONMEBOL, UEFA e FIFA, achou que seria interesse que o próximo torneio mundial tivesse um campeão nacional brasileiro, já que os outros países já tinham as suas ligas nacionais. Sendo assim, o Brasil teria pelo menos até 1956 para criar uma liga nacional, algo que só viria a ocorrer em 1959, com a criação da Taça Brasil. 

Contudo, antes do ano de 1956, a ideia de uma nova edição da Copa Rio foi perdendo força até a competição ser cancelada. Naquele mesmo período, competições continentais como Liga dos Campeões e Copa Libertadores da América foram organizadas, além de uma nova competição mundial, criada a partir de 1960, protagonizadas com os campeões de cada uma delas.

 

A Chancela da FIFA

O reconhecimento da FIFA em relação a Copa Rio é um assunto bastante polêmico. Até porque, vira e mexe, a entidade máxima do futebol muda de opinião sobre a competição ter ou não a importância de um mundial. 

E mesmo assim, quando cita a Copa Rio, a entidade apenas cita a edição de 1951, vencida pelo SE Palmeiras e raramente comenta sobre o título do Fluminense em 1952. Até por isso, o clube tem solicitado a FIFA desde 2012, para que seja reconhecido o seu título mundial. 

Vale lembrar que apenas a competições realizadas a partir de 2000 recebem a chancela da entidade. Por outro lado, por pressão da CONMEBOL, os Torneios Intercontinentais e a Copa Rio de 1951 são considerados torneios mundiais pela FIFA atualmente. Contudo, menos a Copa Rio de 1952.