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O futebol tem a rivalidade como um dos principais pilares que o constitui. Afinal, é após a vitória sobre o rival que um amigo aliviado faz brincadeiras com o outro e é depois de um triunfo frente ao maior adversário que uma equipe inconstante encaixa vitórias no campeonato. São muitas as rivalidades no futebol brasileiro e mundial, porém, poucas delas têm o charme e carregam a história que um Fla-Flu é capaz de oferecer.
Sinal disso, a Prefeitura do Rio de Janeiro reconheceu em 2012 o confronto entre Flamengo e Fluminense como um bem de natureza imaterial da cidade, uma expressão da sociedade carioca. O clássico que reuniu mais de 194 mil pessoas ao Maracanã em 1963, virou até mesmo sinônimo de outras rivalidades fora das quatro linhas: se existem dois lados opostos, a rivalidade já é um Fla-Flu.
Para dar palavras à dimensão que esse clássico carioca tem, o célebre cronista Nelson Rodrigues decretou: “o Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada”. Ainda que a tarefa de descrever o surgimento de um confronto de tamanha magnitude seja ingrata, é possível recorrer a informações históricas. Flamengo e Fluminense são filhos do mesmo sangue e, por uma circunstância da vida, se tornaram arquirrivais desde a origem.
O Rubro-Negro foi fundado como uma equipe de remo em 1895, e o Tricolor surgiu em 1902. O futebol ganhou popularidade no começo do século 20 e, em 1911, um desentendimento interno entre membros do Fluminense FC levou Alberto Borgerth, na época atleta do Flu, a fazer uma proposta de criar uma seção de futebol no Flamengo. Em 8 de novembro daquele ano foi criado o Departamento de Esportes Terrestres rubro-negro, um marco da cisão do Flu e o surgimento de seu maior rival.
Após o Flamengo nascer de uma discordância interna do Fluminense, era natural que dentro de campo as equipes já se enfrentassem sob tensão. O primeiro encontro aconteceu pelo Campeonato Carioca na Rua Guanabara, Laranjeiras, em um domingo, no dia 7 de julho de 1912. O Fluminense estava escalado com “reservas”, já que jogadores insatisfeitos da equipe haviam saído para criar o departamento de futebol do CR Flamengo. Mesmo com essa dificuldade a mais, o Tricolor venceu o confronto: 3 a 2, com gols de Arnaldo e Píndaro do lado vermelho e preto, e Edward Calvert, James Calvert e Bartholomeu do lado do Flu.
O segundo embate aconteceu no mesmo ano, mas dessa vez a vitória foi do Flamengo, uma goleada por 4 a 0. O Fla ainda emplacou depois uma sequência de vitórias diante do rival, uma resposta após ter sido derrotado no primeiro duelo da história do Fla-Flu.
Uma rivalidade não é construída sem a participação dos torcedores e, claro, da imprensa. No Rio de Janeiro, uma das maiores fontes de futebol e cultura do país, os irmãos Nelson Rodrigues e Mário Filho eram destaques da crônica esportiva no estado. Da mesma forma como Flamengo e Fluminense nasceram do mesmo sangue e, ainda assim, se tornaram rivais, Nelson e Mário defendiam cores diferentes — ainda que o segundo tenha morrido sem relevar o clube do coração. Rodrigues era tricolor, ao passo que o irmão provavelmente tinha o Rubro-Negro como sua paixão.
A relevância dos célebres jornalistas e o impacto que ambos tiveram ao abordar o futebol, em especial o clássico, deram ainda mais relevância ao histórico Fla-Flu. Nelson Rodrigues é autor da famosa frase “o Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente”, enquanto Mário Filho, que hoje dá nome ao Maracanã, escreveu o livro Histórias do Flamengo.
Um embate não só futebolístico de tamanha dimensão naturalmente chega aos escritores, poetas e músicos, que procuram por meio da arte expressar o que é um Flamengo e Fluminense. De acordo com Nelson Rodrigues, um dos maiores nomes do jornalismo esportivo nacional, “cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia”, bem como “torcer para o Fluminense é uma maneira de você olhar para o seu vizinho e dizer: ‘sou melhor que ele’”. Na música, Alcione mostrou o tamanho da tensão que um jogo como esse carrega: “É, foi só porrada, foi só garrafada, a arquibancada ficou à Bangu, acabei em cana num Fla x Flu”.
Não se faz Fla-Flu, assim como nenhum clássico, sem grandes personagens dentro das quatro linhas. São muitas as figuras que defenderam as camisas de Flamengo e Fluminense, marcando gols, vencendo títulos e se imortalizando na história do confronto. Os principais nomes, claro, são os ídolos de ambas equipes que jogaram o clássico, como Assis, Júnior, Zico, Adriano, Castilho, Rivellino, Conca, Fred e tantos outros.
Mesmo com a grande rivalidade entre os times, há jogadores que chegaram a vestir a camisa das duas equipes. O baixinho Romário, uma das figuras mais famosas a fazer isso, chegou ao Flamengo em 1995. Mesmo após jogar no Rubro-Negro duas vezes, Romário aterrissou nas Laranjeiras em 2002. Ficou pouco tempo por lá, até partir para o Al-Sadd, do Catar, em 2003.
Companheiro e também rival do Baixinho em seu momento como jogador, Edmundo é outro que vestiu a camisa de ambas equipes. O Animal chegou ao Fla em 1995, e representou a torcida tricolor quase uma década depois, em 2004. Um terceiro nome que realizou tal feito foi Petkovic, um dos grandes camisa 10 na história Rubro-Negra. O sérvio passou pelo Fluminense em 2005, quando retornou ao Brasil após passagem na Arábia Saudita.
Mas dois jogadores que conseguiram fazer história pelos dois clubes, com conquistas e gols, são os atacantes Doval e Renato Gaúcho. O primeiro durante a década de 1970, e o segundo nas décadas de 1980 e 1990. Quem ai se lembra do gol de barriga na final do Carioca de 1995 de Renato, contra o Flamengo de Romário?
Desde o início, o Fla-Flu ficou muito marcado pela disputa de títulos, principalmente no charmoso e histórico Campeonato Carioca, onde a rivalidade sempre se mostrou ainda mais acirrada.
Com mais de 100 anos de história, é natural que o clássico Fla-Flu tenha tido diversos placares, as mais diferentes narrativas, dos placares mais magros aos mais elásticos. A maior goleada aplicada pelo Flamengo aconteceu em 10 de junho de 1945, quando o Rubro-Negro derrotou o arquirrival por 7 a 0. A vitória mais elástica do Tricolor sobre o Fla, por sua vez, ocorreu em 24 de março de 1943, com um 5 a 1.
O “Clássico das Multidões” foi disputado em decisões de títulos e jogos que não valiam muita coisa. O que nunca deixou de valer foi a rivalidade, que se estende por mais de 100 anos.
Fluminense 1 x 0 Flamengo
Flamengo 0 x 0 Fluminense
Flamengo 5 x 0 Fluminense
Fluminense 3 x 2 Flamengo
Flamengo 1 x 1 Fluminense
Flamengo contra Fluminense, Fluminense versus Flamengo, ou simplesmente Fla-Flu. Diferentes maneiras de se referir a um confronto que é um representante cultural e esportivo do Rio de Janeiro, uma partida que o Brasil direciona olhares para acompanhar. Nascidos do mesmo sangue e rivais desde a origem, o “Clássico das Multidões” se tornou uma rivalidade muito além das quatro linhas. O Fla-Flu, que começou em um embate nas Laranjeiras, hoje é sinônimo de qualquer antagonismo, ainda que ele em nada se relacione com o futebol. Considerado um dos maiores confrontos no que é tido como o país do futebol, Flamengo contra Fluminense é dia da torcida encher o Maracanã e cantar a plenos pulmões pela sua camisa. Afinal, como disse Nelson Rodrigues, o confronto surgiu “quarenta minutos antes do nada”.